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Global Overview Magazine

Revista de actualidad política, religiosa, económica, social, cultural, científica y educativa con alcance internacional
ISSN 2618-1916

SOCIOLOGIA E PSICOLOGIA

Relacionamentos contemporâneos




Os relacionamentos amorosos contemporâneos no Brasil tem sido explorados por revistas mensais (magazines), livros de auto-ajuda, programas televisivos matinais nos canais de televisão aberta ou em canais que tratam de assuntos similares nos canais de televisão fechados. Na pesquisa científica o tema é insuficientemente abordado nas diversas áreas do conhecimento das ciências humanas. Cada aspecto ou tipologia de relacionamento contemporâneo traz consigo a dificuldade da pesquisa, pois entrar na vida íntima dos sujeitos sociais é uma tarefa árdua na qual primeiro se precisa ganhar a sua confiança. Além das fontes primárias, é possível também lançar mão de fontes secundárias. Os grupos que se formam, os sites que produzem, ou páginas de facebook, são todos elementos a serem utilizados para compreender esse universo que se descortina na contemporaneidade. Nesse artigo, objetiva-se abordar o tema de uma perspectiva sociológica, para que o leitor perceba por meio dele as possibilidades de pesquisa empírica, as quais poderão ser realizadas por diferentes abordagens e pontos de vista, fugindo da banalidade com que o tema vem sido tratado pela mídia, ou seja, realiza-los tendo como baliza o cuidado que requer a pesquisa científica.



O amor-paixão é inerente a qualquer sociedade e é capaz de colocar o indivíduo à parte de sua vida cotidiana. Possui como característica principal o encantamento pelo outro e, em vista disso, alteram-se as relações cotidianas e pessoais, no estudo e no trabalho. Essa inerência de amor- paixão é confirmada por meio de canções de amor e de inúmeros versos e poemas. É muito raro o ser humano, seja de qual cultura ou etnia pertença que não tenha tido tal sentimento, o qual, quando correspondido, leva às alturas, mas quando não, a uma dor inexplicável.
Essa modalidade de amor está fortemente vinculada à atração sexual e, nestas ocasiões, ocorre uma alteração química cerebral que faz com que se passe a idealizar o outro, a ouvir e ver somente o que se quer. No entanto, esse encantamento possui duração determinada, de quatro meses a dois anos, aproximadamente. Apresenta-se distintamente do modelo “amor romântico” que teve seu ponto alto, sobretudo, durante o século XIX, embora já mostrasse sua presença nos finais do século XVIII.
O amor romântico, de certa maneira, rompe com a sexualidade, alia-se à virtude e coincide com a emergência do gênero literário novela, escritas, em grande parte, por mulheres. Giddens (1992: p. 53) demonstra que o amor romântico tem relação com as mudanças no sistema de produção quando há separação entre lar e local de trabalho e o aumento do controle das mulheres sobre a criação dos filhos e, em virtude disso, o declínio da autoridade patriarcal. No entanto, para os homens a alternativa para as duas formas de amor - romântico e paixão - era a separação da casa com a rua, ou seja, do conforto do lar, com sua mulher, no âmbito doméstico, às paixões das prostitutas e das amantes. “O cinismo masculino em relação ao amor romântico foi prontamente amparado por esta divisão, que, não obstante, aceitava implicitamente a feminilização do amor ‘respeitável’” (GIDDENS,1992, p. 55).
Se o amor paixão não foi de todo abandonado pelas mulheres, ele é levado para a transcendência, pela expectativa de encontro do “príncipe encantado”, para os sonhos por meio das novelas, da crença na mudança de comportamento do outro ou conquista de um coração empedernido. No período romântico, enquanto as mulheres apareciam aos olhos masculinos como seres misteriosos, os homens foram identificados, no que se refere ao amor, como os sedutores e conquistadores e, ao mesmo tempo, a busca de sua autoidentidade voltava-se ao trabalho.
Há, certamente, outros aspectos do amor romântico, no entanto, a menção a ele, foi com o objetivo de observar, na atualidade, as alterações e as permanências em termos de expectativas. O anseio por uma tipologia de relacionamento romântico possui características próprias com o advento da modernidade. E as muitas alterações decorrentes devem-se, também, ao movimento feminista, que questionou valores, reivindicou igualdade e reposicionou os lugares sociais para os sexos.
Na atualidade, a expressão corrente é “relacionamentos” e Giddens (1993, p. 68) introduziu o conceito de “relacionamento puro”, demonstrando que essa possibilidade não se refere à pureza sexual. Ambos estão na relação por vontade própria e por retirar dela satisfação pessoal. Neste tipo de relacionamento há uma espécie de amor confluente (GIDDENS 1993: p. 73), pois é um amor ativo em que há abertura em relação ao outro, fundamentando-se em bases igualitárias e na troca de afeto, emoções e intimidade. Essa tipologia de amor pode desenvolver-se entre casais que têm a oportunidade de sentirem-se satisfeitos sexualmente; não tem relação exclusiva com a heterossexualidade, muito menos pressupõe o “para sempre” como o que ocorria no período histórico do amor romântico.
Assim como se busca a democratização na vida pública o mesmo ocorre na vida pessoal. Os pressupostos não são muito diferentes, desde a igualdade, a autonomia, a equalização do poder, os direitos e deveres. Segundo Giddens (1993: p. 206) “a possibilidade da intimidade significa a promessa da democracia a fonte estrutural desta promessa é a emergência do relacionamento puro, não só na área da sexualidade, mas também naquelas relações pais-filhos, e em outras formas de parentesco e amizade.”
No relacionamento puro há ênfase a uma série de acordos implícitos e explícitos, pressupõe a intimidade e a relação fundamentada no diálogo, inclusive, o direito de se sair dele, não importando se a iniciativa partiu de um ou de outro. No caso da mulher tomar a iniciativa, historicamente, foi uma conduta recebida com sanção pela sociedade envolvida e em determinados locais ainda o é, no entanto, isso está implícito no acordo. Cerca de algumas décadas era praticamente impossível, principalmente no Brasil, sociedade em que o divórcio passou a ocorrer somente a partir de 26 de dezembro de 1977 por meio de emenda constitucional.
Quanto ao relacionamento puro, sobre o qual discorre Giddens, há possibilidades de que aconteça de fato e mudanças ocorreram com o advento da modernidade e conquista de direitos por parte das mulheres, porém é preciso ver de onde ele fala e quais suas referências para dele se pronunciar. Está falando da Europa do Norte e dos Estados Unidos e cita exemplos e pesquisas realizadas nesses locais. Num mundo globalizado o Brasil recebe influências do que ocorre nos países centrais, aqui também se desenvolveu movimentos feministas, a modernidade também chegou ao país, no entanto, com suas particularidades.
José de Sousa Martins (2008) analisa as contradições da modernidade no Brasil e demonstra as suas inconclusividades, além de muitas vezes confundida com o progresso; teríamos aqui muito mais símbolos do moderno do que modernidade de fato. Embora a existência de um expansivo discurso da globalização, há ritmos desiguais no que tange ao avanço tecnológico, à desigualdade social, à desigualdade educacional e à desigualdade no que refere aos avanços democráticos. Especificamente no Brasil as relações tradicionalistas na política, na vida cotidiana, na organização do trabalho, ainda permanecem ao lado da modernidade. Como falar em modernidade se ainda existe trabalho similar ao escravo nos rincões brasileiros? A expressão cunhada por José de Souza Martins (2008) em vários de seus escritos é a de que existe um “Brasil profundo”. Ou seja, o país possui especificidades locais, a característica de uma cultura hibrida (CANCLINI, 1998) e para compreender nossas especificidades, certamente o olhar do pesquisador precisa da ancoragem do que temos e do que não temos e de como o que é de fora, o moderno, tem chegado aqui, mais como modernidade postiça, portanto inconclusa.
Isso não quer dizer que não haja no Brasil alterações nos relacionamentos e a existências de relacionamentos puros, porém, os mesmos não podem ser idealizados, como se houvesse uma uniformidade (tampouco Giddens assim o coloca), mas como um ideal a ser buscado nas relações. Via de regra, relacionamentos assim ou semelhantes ocorrem em determinadas classes sociais e por casais que possuem um nível educacional que permita a compreensão e superação de modalidades de comportamento patriarcais, de subjugação e violência contra a mulher, a qual se sabe, ainda persiste no país. Não é à toa que foi preciso uma lei denominada Maria da Penha para garantir a defesa das mulheres da violência física a que foram expostas. E ainda o são, pois a lei, embora um ganho, não é suficiente para dar fim à desprezível prática.
Esse tipo de relacionamento, observado por Giddens, pressupõe, como mencionado, desde o início, a possibilidade de seu fim. Do término da relação quando dela não mais um dos parceiros, ou ambos, não estiverem satisfeitos. É difícil pensar que alguém entra em uma relação, seja por meio de um contrato civil ou do casamento formal, pensando que ela vai acabar um dia. O habitual é que seja para sempre; a não ser no fragmento do poema de Vinicius de Moraes “que seja eterno enquanto dure”. Frase usada mais com certo deboche, pois para Vinicius assim foi, passou por 9 casamentos. O próprio Giddens passou por um doloroso processo de separação, como a maioria o é, e por cinco anos de psicoterapia. Fatos da vida que permitiram que um teórico do social da sua envergadura escrevesse um livro sensível como A transformação da intimidade.
As separações não ocorrem somente nesta tipologia de relacionamento, muito mais nos demais, naqueles que apostaram no relacionamento romântico e entraram em um casamento para a vida inteira. Para se chegar a esta decisão, geralmente, leva-se muito tempo. O aspecto-econômico-financeiro é levado em conta, o emocional também, tanto da dor da separação, como naqueles casos em que há dependência emocional, assim como o destino dos filhos do casal, quando há filhos menores de idade. Mesmo assim a taxa de divórcios só tem crescido no Brasil. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última década, o número de divórcios cresceu mais de 160%, passando do ano de 2014 de 130,5 mil divorciados para 341,1 mil divorciados, sendo que a idade média das mulheres é de 40 anos e dos homens 44 anos. Observa-se que, nesta idade, há a possibilidade de os filhos já estarem crescidos ou já terem passado pela adolescência.
Em outra obra, Giddens (2002: p. 72) trata da “modernidade e identidade” e demonstra que o sujeito na atualidade é colocado diante de variadas escolhas, tanto as profissionais como a de mudanças profissionais, forçadas pelas condições econômicas do momento. Entre estas escolhas, encontra-se a de se casar ou não, de ter filhos ou não, a de se separar ou não, as quais não são feitas sem sentimentos como o de insegurança e profunda ansiedade. Não é à toa que a depressão e a ansiedade têm sido consideradas o “mal do século”. Diante das possibilidades que o mundo moderno oferece a de “tomar conta de nossas próprias vidas” é fator, portanto, que envolve riscos, pois significa enfrentar diversidade de possibilidades abertas. O indivíduo deve contemplar novos campos de ação que não podem ser guiados simplesmente por hábitos estabelecidos (GIDDENS, 2002 p.72).
Estes riscos constantes, bem como inseguranças e ansiedades geradas, são bem visíveis no mundo do trabalho ou nas escolhas profissionais e como na vida íntima, tanto no que se refere ao casamento e às separações, essas últimas, sobre as quais nos referimos anteriormente, pode-se verificar a taxa ascendente no Brasil. A separação, para qualquer um dos cônjuges, deve ser, necessariamente, enfrentada, do ponto de vista psicológico, com a passagem pelo “luto”. O luto não ocorre somente quando morre alguém das relações próximas, mas pelas perdas que se sofre ao longo a vida. Giddens (2002) menciona que, após o desmoronamento do mundo estabelecido por um casamento, vem o doloroso processo de descolamento do cônjuge, o que inclui a nova relação estabelecida com os filhos e as amarguras que precisam ser superadas . O referido processo é físico também, o descolamento da casa e de um cotidiano estabelecido: quem sai, perde o ponto de referência, parte do zero, para reconstruir uma vida; quem fica, fica com o espaço físico conhecido, mas também fica com as más e boas lembranças. Há, portanto, toda uma árdua tarefa de construção de um novo “sentido do eu”. Após isso, é possível se dar outras chances de novos relacionamentos.
Ou seja, primeiro é necessário passar pela reflexão e alternação que permita, de fato, dar-se uma nova chance, baseada em novos valores, mais igualitários e democráticos, a fim de que não sejam repetidos os mesmos erros cometidos no primeiro relacionamento. No entanto, não é isso o comum. O que se tem verificado é a repetição de relacionamentos muito semelhantes aos anteriores, sem a necessária passagem pelo período de luto, o qual é imprescindível quando findam laços que não foram feitos para serem desatados (ou tinham essa possibilidade implícita), porém, por vezes ocorrem e, nos últimos anos, com muito mais frequência.
Quanto aos jovens contemporâneos, o processo de iniciação na vida intima e nos relacionamentos tem se dado por meio de experimentações como a de “ficar”. Essas experimentações ocorrem por volta dos 12, 13 anos e geralmente se dão em festas, em cinemas ou em momentos de encontro entre jovens. O ficar nessa idade pressupõe o beijar e o abraçar, o ficar junto. Pode ocorrer apenas uma vez ou mais que uma vez com a mesma pessoa. O que nunca tenha ficado com alguém ainda, de ambos os sexos, se autodenomina com a sigla BV (Boca Virgem). O ficar é visto como ato de liberdade e experimentação até que se venha encontrar alguém para o namoro, o qual na atualidade deve ocorrer, segundo a norma, quando se é “pedido em namoro”, caso contrário é “ficante”. De uma experimentação o “ficar” entre os jovens se tornou uma competição de com quantos meninos ou meninas se ficou naquela noite, quanto mais meninas “pegou” maior o status do menino sedutor que contabiliza isso e, tanto meninas, como meninos, contam uns para os outros com quantos “ficou”. E se tanto um ou outro ficou com a pessoa considerada mais bonita ou desejada, mais pontos acumula junto ao grupo de referência ao qual pertence. Ou seja, o ato de “ficar” da experimentação passou para a quantificação, deixando seu significado primeiro em segundo plano.
Aos 15 anos, aproximadamente - não é regra, pode ser antes - como temos observado em determinados locais ou classe social ou depois dessa idade, o “ficar” já não mais pressupõe beijos e abraços, mas a relação sexual. Pode não ocorrer da primeira vez que se fica, mas uma vez ocorrida a primeira relação sexual, se há continuidade nos encontros, ele vem associado ao relacionamento sexual. Nesta fase, começam as preocupações dos pais com as doenças sexualmente transmissíveis e com a gravidez precoce. E dos próprios jovens quando são devidamente preparados para isso com antecedência e a continuidade desse acompanhamento com idas periódicas ao ginecologista, uso de preservativos, durante essa sensível faixa etária de suas vidas, a adolescência. Esse tipo de relacionamento pode perdurar meses sem que o casal esteja, de fato, namorando. E pode somente assim ficar até que venha a se findar.
No entanto, o que era uma forma de iniciação dos jovens ao mundo dos relacionamentos e preparo para dos mesmos para a vida adulta tornou-se regra - os ficantes hoje possuem 30, 40, 50, 60 anos. Existindo aqueles que vivem desses relacionamentos sem o estabelecimento de um relacionamento mais íntimo, que envolva maior compromisso. Isso quando há os que optam por ficarem, pois tenho observado, principalmente, homens, jovens ainda, na faixa etária de 30 anos, os quais já passaram por uma desilusão amorosa, um fracasso na relação, desistirem de estabelecer um novo relacionamento. Vão da casa ao trabalho, moram com os pais, divertem-se com os amigos. Ouvi de um deles, “que não vale a pena, é muita cobrança”. O mesmo ocorre com algumas mulheres, que já não vislumbram a possibilidade de um relacionamento puro nos termos colocados por Giddens ou na vivência do “amor pelo amor” como ouvi de uma mulher, viúva, na faixa dos 50 anos, a qual teve um bom relacionamento com o seu cônjuge.
Observa-se que “paira no ar” uma espécie de desilusão com os relacionamentos por parte de segmentos de homens e mulheres e somente pesquisas de campo levando em consideração a classe social, o gênero, e as especificidades regionais e locais, poderão esclarecer parcialmente algumas indagações. Quanto aos jovens penso na possibilidade, entre outros fatores, da dificuldade de lidarem com as frustrações de todo o tipo, seja no trabalho, seja nos relacionamentos amorosos, desistindo com facilidade. Provavelmente não foram preparados para isso; sabe-se que parte dessa geração foi prontamente atendida por seus pais, que procuraram evitar que precocemente (na perspectiva dos pais) seus filhos viessem a enfrentar a dor das frustrações, a qual cedo ou tarde chega na vida de qualquer pessoa. E chega para ficar, ou seja, ocorre sucessivamente. O resultado pode ser a “evitação”. E qualquer tipo de “evitação” seja por medo do sofrimento ou outro motivo não é desejável saudáve para os enfrentamentos que a vida requer. O que pode ser entendido como liberdade de escolha nada mais é do que manifestação do medo ou fuga de sentimentos que poderão advir das decisões tomadas.
Outro fator que pode ser percebido nos relacionamentos é um número significativo de pessoas buscando relacionamentos pela Internet. Há um número variado de sites com esse objetivo, com pessoas que encontram ali, o que buscam e, outras, que passam por horas perdidas na frente do computador, sem contar os encontros mal sucedidos. Pela Internet, os homens tem buscado também pornografia e sexo virtual; pagam e obtêm o prazer na hora que querem acionados pelas fantasias que formulam para esse momento. O fato de se usar esta estratégia tão ao alcance das mãos se torna um hábito, fazendo com que as relações sexuais pelas vias “normais”, portanto, com uma pessoa real, comece a ser considerado investimento inviável. Lançar mão dessa estratégia não é especificidade somente dos heterossexuais.
As possibilidades de a tecnologia ir mais longe alterando relacionamentos não estão longe da ficção. O filme “She” de Spize Jonze, de 2014, explora esse universo. O protagonista da trama, Theodore (Joaquin Phoenix), escritor solitário, solteiro, adquire um sistema operacional acoplado ao seu computador. A voz do sistema é a sensual voz da atriz Scarlett Johansson que não aparece no filme, somente sua voz. Essa voz fala com ele, estabelecem diálogos, e ele acaba se apaixonado por ela. Inicia-se uma relação amorosa entre os dois que vai desde um bom dia, até uma boa noite. Ou seja, “a voz” está com ele no seu cotidiano. No ano de 2015 foi criado nos Estados Unidos um site de relacionamentos com mulheres comuns e não destinado exclusivamente ao sexo virtual, mas para conversar com os homens que chegam, por exemplo, cansados do trabalho e querem que alguém os ouça. Isso, lógico, é feito mediante pagamento. Esse diálogo (o qual, se o cliente desejar, ocasionalmente termina em sexual virtual) pode ser com a mesma pessoa todos os dias ou quando dela necessitar. Nominar essa prática de relacionamento é um equivoco, pois é na verdade um não relacionamento.
Bauman (2004) é um crítico das relações que se estabeleceram na modernidade com o advento da tecnologia, desse homem sem vínculos que precisa se conectar. Demonstra que os relacionamentos humanos são facilmente descartáveis, estão ao alcance de uma tecla do computado ao “deletar” algo ou alguém. Na atualidade se aplica ao facebook e a outros aplicativos. Bauman (2004) acentua, ainda, que o compromisso para a maioria das pessoas tem sido considerado uma armadilha a qual se deve evitar. No caso dos “relacionamentos virtuais” é fácil entrar e sair deles ao contrário dos relacionamentos reais. Observo aqui que mulheres quando querem sair de um relacionamento costumam verbalizar, fazem a comunicação por mais que isso lhe seja constrangedor, porém os homens possuem mais dificuldade para isso, vão mudando o comportamento aos poucos, ficam mais silenciosos, enviam mensagens não verbais até que a mulher compreenda o que ocorre. Nos virtuais nada disso é necessário. Bauman (2004) associa, ainda, as novas relações à cultura consumista que vigora na modernidade: encontra-se o produto pronto para consumo e uso imediato, bem como para satisfação imediata, o prazer passageiro sem grandes esforços. As pessoas no mundo moderno esquivam-se do amor. Diante de tantas possibilidades, estarem comprometidas é fechar a porta a outras oportunidades. Se a solidão produz insegurança, o relacionamento para os sujeitos sociais também é inseguro, pode findar, pode trazer a dor da separação, do abandono, então melhor nem começar. É nesse ponto que as pessoas optam por “relações de bolso”, ou seja, de curta duração e na qual um dos envolvidos estaria no controle do seu começo e do seu fim.
Sua crítica maior se volta para o fato de se tratar o outro ser humano como objeto de consumo (BAUMAN, 2004, p. 96) e nisso ele tem toda a razão, entramos na era do consumismo sem precedentes. O consumo, lógico, sempre existiu e faz parte das relações comerciais, no entanto, quando o ser humano entra nessa lógica, alteram-se as sociabilidades. Se os seres humanos tornam-se objetos de consumo a esse nível são também julgados pelo volume de prazer que proporcionam em detrimento da solidariedade humana e à capacidade de amar simplesmente por amar. O sexo não virtual entra também nessa competição do como fazer, do que fazer, ficando em segundo plano a construção do relacionamento, dos gestos carinhosos, do diálogo, do conhecimento do corpo de ambos e da boa relação a se extrair, ou seja, joga-se mais com a “performance”, do que com os outros atributos. Tudo parece que já deve vir pronto. Pode ser custoso demais construir um relacionamento sexual saudável que seja gratificante para ambos. Afinal, não se pode perder tempo!
Bauman, porém, entende o relacionamento puro discutido por Giddens como um relacionamento frágil, pois nele há a possibilidade de se já entrar nele pressupondo que pode se findar, transformando-se em parcerias frouxas, revogáveis, substitutivas do modelo “até que a morte nos separe”. Ou seja, seria um relacionamento “em que dificilmente a confiança pudesse fincar raízes e florescer (BAUMAN, p. 112)”. Giddens apenas aposta naquilo que é fato, ou seja, os relacionamentos podem acabar; melhor entrar nele já com essa possibilidade no acordo implícito, como dado de realidade, porém não necessariamente ele chegará ao seu fim, uma vez que nele está incluso outros acordos democráticos. O sonho romântico de um “será para sempre”, é muito mais um elemento da fé do que dado de realidade. Embora Bauman tenha razão em muitas de suas análises sobre as fragilidades dos laços humanos na contemporaneidade, vejo também nele certo saudosismo de um passado mais idealizado que real. O mundo do passado, de opressão sobre a mulher, dos muitos cerceamentos a ela, dos casamentos opressores - do qual não se podia sair e se saísse era mal vista (hoje, infelizmente, ainda há resquícios disto) - direito ao voto e ao exercício da cidadania do qual a mulher estava excluída, também não era um mundo ideal. Parece-me muito mais um mundo idealizado por Bauman do que um passado que fosse melhor de fato. Conquistas foram realizadas nesse campo e o uso que o homem está fazendo da tecnologia está, de fato, alterando as relações, tanto as que se referem à sexualidade, à amizade, como as de trabalho e, cabem aos cientistas sociais analisar esses fenômenos com todas as ferramentas que possuem e pelos mais diversos ângulos.
Nos anos 70, opondo-se ao relacionamento a dois, considerado controlador, exclusivista, regrado e sustentado por um sentido de completude, surgiu uma nova modalidade de relacionamento, não monogâmico, denominado poliamor, que vem da junção da palavra poli significando vários com a palavra amor. Os adeptos dessa modalidade de relacionamento se autodenominam poliamoristas. Embora se comece a ouvir essa expressão nos últimos anos pelos meios de comunicação, o poliamor tem já, aproximadamente 15 anos de existência, com sua origem na Califórnia, nos Estados Unidos da América (EUA), em um evento visando discuti-lo e, doravante, grupos criados por meio da Internet. No poliamor é possível se estabelecer relacionamento de fato a três (portanto não esporádico) podendo ser duas mulheres e um homem ou um homem e duas mulheres. Essa modalidade não é fixa, pode ocorrer de um membro ser poliamorista e o outro não, assim como nesse modelo pode ocorrer o envolvimento de mais de três pessoas. São modelos que no Brasil pressupõem mais a igualdade e liberdade (PILÃO, 2015), e o combate ao machismo, portanto possuí uma perspectiva bastante visível de discussão de gênero. Segundo Pilão (2015), a igualdade se fundamentaria no fato de que os envolvidos pudessem ter mais do que um relacionamento simultâneo. Definem-se como seres completos (prescindem da outra metade), ressaltam as diferenças e a preservação das individualidades. O morar junto nessa modalidade não é visto como algo salutar, pois provoca o cerceamento da autonomia. Pilão (2015) demonstra, ainda, que o poliamor difere do casamento aberto em voga nos anos 70, pois a ênfase está no amor e não na liberdade sexual. Por fim, o autor assinala que para os poliamoristas “os termos hierarquia, autoridade, poder e controle são vistos como próprios da sociedade atual, capitalista, cristã, monogâmica, O poliamor é associado a outro tipo de sociabilidade, não competitivo, tolerante, cooperativo e não hierárquico (PILÃO, 2015)”.
Na contemporaneidade os casais monogâmicos tem também passado por mudanças estabelecendo outros acordos nas relações, como casais que tem optado pela não co-habitação. Geralmente são casais que já tem seus filhos crescidos, ambos possuem independência financeira e em alguns casos já estão no segundo ou terceiro relacionamento. Esse arranjo mantem a individualidade de cada um e revela uma maturidade do casal ao se fazer esta opção, pois quando desejam ficar juntos, não há nada que os impeça, podem ficar tanto na casa de um como na do outro. Observo essa opção ainda restrita aos grandes centros e, parece ser algo, também numericamente restrito, pois decidir pela não co-habitação há variáveis em jogo, além da econômica já mencionada, existem os acordos a serem estabelecidos entre o casal a fim de preservar a confiança e a lealdade, caso esse seja o fundamento do acordo.
Outras mudanças ocorreram na vida dos casais, as quais são conquistas recentes no que se refere a como levarem a sua vida, embora questionadas pelos mais tradicionalistas. Refiro-me aos casais que optam por não ter filhos, mesmo assim, constituem uma família, formado por um homem e uma mulher. Para aqueles que não desejam ter filhos, isso lhes foi facultado pelo desenvolvimento da sociedade contemporânea, pela liberdade de escolha colocada mais facilmente à disposição do casal e pelos meios contraceptivos. Sem esquecer que tal fato não ocorre naturalmente, mas a partir das discussões colocadas em pauta pelas diferentes vertentes (surgidos na década de 50 primeiramente nos EUA) dos movimentos feministas ao longo dos anos.
As alterações no mundo contemporâneo com a globalização e a celeridade do mundo moderno passa a impressão aos mais velhos que estão diante de um mundo a desmoronar (GIDDENS, 1991). E de certa forma possuem razão. A comunicação chega rapidamente e tanto eles que viveram em sociedades com algum tradicionalismo, como os jovens de hoje diante das mudanças que ocorrem sentem-se inseguros e ansiosos quanto ao futuro. Estes jovens já não vivem como os seus pais nas suas sociedades tradicionais, comunitárias, pré-determinadas, quando já se nascia com um futuro mais ou menos delineado. Vive-se hoje uma “crise de identidades”(DUBAR, 2006) no que tange à sexualidade e a vida profissional dos sujeitos sociais, justamente campos definitivos para o bem estar do ser humano. Como não poderia ser diferente, isso tem afetado a vida íntima dos sujeitos sociais; retardando, por exemplo, a saída dos jovens da casa dos pais, afetando decisões como a de constituir família e a de ter filhos. A decisão de se casar, formar família, gerar filhos não tem sido feita ou feita com muito mais cautela. Nestes casos há casais que não tem filhos por uma questão econômica ou apenas um filho, algo que se tem tornado comum e que era muito raro há poucas décadas.
No que diz respeito ao mundo rural, outra alteração tem ocorrido no que se refere à formação de famílias. Pierre Bourdieu (2002) analisa processo que se deu na França dos anos 50 com a chegada da modernização no campo, quando as mulheres seguiram para trabalhar na cidade, e os rapazes em idade de se casar não encontravam mulheres nas suas comunidades rurais, para contrair matrimônio e dar sequência à pequena agricultura. No Brasil - onde a modernidade ocorre tardiamente e tem suas especificidades - esse processo vem acontecendo e tem sido denominado pelos pesquisadores (ABRAMOVAY, et al. 1998) como masculinização no campo. Algumas medidas têm sido tomadas por Organizações Não-Governamentais visando à permanência dos jovens no campo ou parte deles por meio de políticas publicas e ações culturais (LOPES; 2010).
Com o advento da modernidade, além de novas tipologias de relacionamentos, novas modalidades de famílias, com novos contornos, vêm sendo delineados, estando portanto, ainda em constituição. Um exemplo é a adoção por parte de mulheres e homens solteiros, constituindo unidades familiares, bem como adoção de crianças por parte de casais homossexuais.
Esta última possibilidade que menciono vem sendo conquistada no mundo contemporâneo e reconhecida no Brasil pela legislação - por meio das reivindicações, principalmente do movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT) - pari passu às uniões homoafetivas. Este foi um processo de uma longa trajetória, pois inserida em uma sociedade conservadora e que permanece conservadora especialmente neste quesito, com casos de agressões físicas aos homossexuais e aos casais homoafetivos quando são vistos na rua juntos, ou até mesmo quando um homossexual se encontra sozinho, entre outras formas de violência simbólica. No entanto esse movimento que vem de longa data, não só no país, ganhou espaço, adesões, conquistou adeptos no Congresso Nacional e defensores de suas causas ocuparam cadeiras na Câmara dos Deputados.
Como assinalado, o processo foi longo, as uniões homoafetivas chegaram a ser reconhecidas pelo código civil tão somente como uma sociedade para casos de separação. No entanto, no dia 05 de maio de 2011 ocorreu um marco nessa luta, pois o Supremo Tribunal Federal, por 10 votos a 0 reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, nos mesmo moldes para os demais casais, e incorporou novos direitos civis. A união estável para casais homoafetivos passa a constar na Constituição Federal no seu art. 226, parágrafo terceiro e no Código Civil, art. 1723.
Estes direitos são: requerer pensão em caso de separação judicial; maior respaldo jurídico para pensão por morte pelo INSS ao companheiro; maior celeridade caso haja negação de inclusão do companheiro nos planos de saúde; respaldo jurídico para a declaração no imposto de renda do companheiro como dependente A lei anterior permitia a adoção por parte de casais homossexuais, mas dava preferência às famílias formadas por um homem e uma mulher, porém com a nova lei, a adoção foi facilitada.
Somente dois anos depois é que mais um passo foi dado no que se refere à legislação das uniões homoafetivas, pois havia um número significativo de cartórios que se recusavam a realiza-las. No dia 14 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle externo das atividades do Poder Judiciário, obrigou todos os cartórios a cumprir a decisão do STF de 2011, a realiza-las, ampliando-a, passando a obrigar a conversão da união em casamento e também a realização direta de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
No caso das separações mencionadas anteriormente e que agora vale tanto para casais heterossexuais como homoafetivos, é algo que vem ocorrendo sensivelmente no país, no caso específico dos casais heterossexuais, talvez porque foi facilitada pela legislação com a publicação da Lei 11.441, de 04 de janeiro de 2007, a qual permitiu a realização do divórcio no cartório, portanto sem burocracia e agilidade e custos acessíveis, desde que os mesmos não tenham filhos menores de idade. Basta a presença de um advogado e, se houver bens e consenso entre o casal, a partilha é feita também no cartório por meio de escritura pública.
Diante das notas expostas neste artigo (as quais não dão conta de mencionar todas as modalidades de relacionamentos em vigência) percebe-se um vasto e complexo campo para a pesquisa empírica sobre os relacionamentos contemporâneos no Brasil, às relações familiares e intrafamiliares dele decorrentes, levando em consideração as diferenças regionais, se este ocorre nas metrópoles ou nas médias ou pequenas cidades desse nosso imenso e culturalmente diverso país que se insere de uma maneira específica no mundo globalizado.
Pesquisas dessa natureza, sobretudo se recorrer aos recursos da interdisciplinaridade, metodologias da microssociologia e da etnografia, lançando um olhar atento para o que há de novo, como também para aquilo que permanece no cenário brasileiro, certamente contribuirão para desvendar o que ocorre neste aspecto, o que é genuíno, o que é imitação, postiço, hibrido, levando em consideração a maneira como a modernização chega ao Brasil, a qual se sabe que chega, mas enviesada.
Houve conquistas no campo democrático e dos direitos humanos, nos relacionamentos em amplos sentidos, mas é preciso reconhecer que há também, pelo que se tem observado nos últimos tempos - como manifestação de preconceitos e violência contra casais de homossexuais, preconceitos contra os negros e a mulher - a permanência de mentalidades profundamente conservadoras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ABRAMOVAY, R., et al. Juventude e Agricultura Familiar. Edições Unesco, INCRA, EPAGRI: Brasília, 1998.
BAUMAN, Z. Amor líquido. Sobre as fragilidades dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2004.
BOURDIEU, P. Lebal des célibataires:crise de la sociétépaysanne em Béarn. Paris: Éditions de Seuil, 2002.
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Prof. Dr. Eliane Cardoso Lopes

A autora e Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-doutora pela Universidade de Coimbra, pesquisadora pela Fundação Araucária de Apoio à Pesquisa no Paraná.
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