Relacionamentos
contemporâneos
Os
relacionamentos amorosos contemporâneos no Brasil tem sido
explorados por revistas mensais (magazines), livros de auto-ajuda,
programas televisivos matinais nos canais de televisão aberta ou em
canais que tratam de assuntos similares nos canais de televisão
fechados. Na pesquisa científica o tema é insuficientemente
abordado nas diversas áreas do conhecimento das ciências humanas.
Cada aspecto ou tipologia de relacionamento contemporâneo traz
consigo a dificuldade da pesquisa, pois entrar na vida íntima dos
sujeitos sociais é uma tarefa árdua na qual primeiro se precisa
ganhar a sua confiança. Além das fontes primárias, é possível
também lançar mão de fontes secundárias. Os grupos que se formam,
os sites que produzem, ou páginas de facebook,
são todos elementos a serem utilizados para compreender esse
universo que se descortina na contemporaneidade. Nesse artigo,
objetiva-se abordar o tema de uma perspectiva sociológica, para que
o leitor perceba por meio dele as possibilidades de pesquisa
empírica, as quais poderão ser realizadas por diferentes abordagens
e pontos de vista, fugindo da banalidade com que o tema vem sido
tratado pela mídia, ou seja, realiza-los tendo como baliza o cuidado
que requer a pesquisa científica.
O
amor-paixão é inerente a qualquer sociedade e é capaz de colocar o
indivíduo à parte de sua vida cotidiana. Possui como característica
principal o encantamento pelo outro e, em vista disso, alteram-se as
relações cotidianas e pessoais, no estudo e no trabalho. Essa
inerência de amor- paixão é confirmada por meio de canções de
amor e de inúmeros versos e poemas. É muito raro o ser humano,
seja de qual cultura ou etnia pertença que não tenha tido tal
sentimento, o qual, quando correspondido, leva às alturas, mas
quando não, a uma dor inexplicável.
Essa
modalidade de amor está fortemente vinculada à atração sexual e,
nestas ocasiões, ocorre uma alteração química cerebral que faz
com que se passe a idealizar o outro, a ouvir e ver somente o que se
quer. No entanto, esse encantamento possui duração determinada, de
quatro meses a dois anos, aproximadamente. Apresenta-se distintamente
do modelo “amor romântico” que teve seu ponto alto, sobretudo,
durante o século XIX, embora já mostrasse sua presença nos finais
do século XVIII.
O
amor romântico, de certa maneira, rompe com a sexualidade, alia-se à
virtude e coincide com a emergência do gênero literário novela,
escritas, em grande parte, por mulheres. Giddens (1992: p. 53)
demonstra que o amor romântico tem relação com as mudanças no
sistema de produção quando há separação entre lar e local de
trabalho e o aumento do controle das mulheres sobre a criação dos
filhos e, em virtude disso, o declínio da autoridade patriarcal. No
entanto, para os homens a alternativa para as duas formas de amor -
romântico e paixão - era a separação da casa com a rua, ou seja,
do conforto do lar, com sua mulher, no âmbito doméstico, às
paixões das prostitutas e das amantes. “O cinismo masculino em
relação ao amor romântico foi prontamente amparado por esta
divisão, que, não obstante, aceitava implicitamente a feminilização
do amor ‘respeitável’” (GIDDENS,1992, p. 55).
Se
o amor paixão não foi de todo abandonado pelas mulheres, ele é
levado para a transcendência, pela expectativa de encontro do
“príncipe encantado”, para os sonhos por meio das novelas, da
crença na mudança de comportamento do outro ou conquista de um
coração empedernido. No período romântico, enquanto as mulheres
apareciam aos olhos masculinos como seres misteriosos, os homens
foram identificados, no que se refere ao amor, como os sedutores e
conquistadores e, ao mesmo tempo, a busca de sua autoidentidade
voltava-se ao trabalho.
Há,
certamente, outros aspectos do amor romântico, no entanto, a menção
a ele, foi com o objetivo de observar, na atualidade, as alterações
e as permanências em termos de expectativas. O anseio por uma
tipologia de relacionamento romântico possui características
próprias com o advento da modernidade. E as muitas alterações
decorrentes devem-se, também, ao movimento feminista, que questionou
valores, reivindicou igualdade e reposicionou os lugares sociais para
os sexos.
Na
atualidade, a expressão corrente é “relacionamentos” e Giddens
(1993, p. 68) introduziu o conceito de “relacionamento puro”,
demonstrando que essa possibilidade não se refere à pureza sexual.
Ambos estão na relação por vontade própria e por retirar dela
satisfação pessoal. Neste tipo de relacionamento há uma espécie
de amor confluente (GIDDENS 1993: p. 73), pois é um amor ativo em
que há abertura em relação ao outro, fundamentando-se em bases
igualitárias e na troca de afeto, emoções e intimidade. Essa
tipologia de amor pode desenvolver-se entre casais que têm a
oportunidade de sentirem-se satisfeitos sexualmente; não tem relação
exclusiva com a heterossexualidade, muito menos pressupõe o “para
sempre” como o que
ocorria no período histórico do amor romântico.
Assim
como se busca a democratização na vida pública o mesmo ocorre na
vida pessoal. Os pressupostos não são muito diferentes, desde a
igualdade, a autonomia, a equalização do poder, os direitos e
deveres. Segundo Giddens (1993: p. 206) “a possibilidade da
intimidade significa a promessa da democracia a fonte estrutural
desta promessa é a emergência do relacionamento puro, não só na
área da sexualidade, mas também naquelas relações pais-filhos, e
em outras formas de parentesco e amizade.”
No
relacionamento puro há ênfase a uma série de acordos implícitos e
explícitos, pressupõe a intimidade e a relação fundamentada no
diálogo, inclusive, o direito de se sair dele, não importando se a
iniciativa partiu de um ou de outro. No caso da mulher tomar a
iniciativa, historicamente, foi uma conduta recebida com sanção
pela sociedade envolvida e em determinados locais ainda o é, no
entanto, isso está implícito no acordo. Cerca de algumas décadas
era praticamente impossível, principalmente no Brasil, sociedade em
que o divórcio passou a ocorrer somente a partir de 26 de dezembro
de 1977 por meio de emenda constitucional.
Quanto
ao relacionamento puro, sobre o qual discorre Giddens, há
possibilidades de que aconteça de fato e mudanças ocorreram com o
advento da modernidade e conquista de direitos por parte das
mulheres, porém é preciso ver de onde ele fala e quais suas
referências para dele se pronunciar. Está falando da Europa do
Norte e dos Estados Unidos e cita exemplos e pesquisas realizadas
nesses locais. Num mundo globalizado o Brasil recebe influências do
que ocorre nos países centrais, aqui também se desenvolveu
movimentos feministas, a modernidade também chegou ao país, no
entanto, com suas particularidades.
José
de Sousa Martins (2008) analisa as contradições da modernidade no
Brasil e demonstra as suas inconclusividades, além de muitas vezes
confundida com o progresso; teríamos aqui
muito mais símbolos
do moderno do que modernidade de fato. Embora a existência de um
expansivo discurso da globalização, há ritmos desiguais no que
tange ao avanço tecnológico, à desigualdade social, à
desigualdade educacional e à desigualdade no que refere aos avanços
democráticos. Especificamente no Brasil as relações
tradicionalistas na política, na vida cotidiana, na organização do
trabalho, ainda permanecem ao lado da modernidade. Como falar em
modernidade se ainda existe trabalho similar ao escravo nos rincões
brasileiros? A expressão cunhada por José de Souza Martins (2008)
em vários de seus escritos é a de que existe um “Brasil
profundo”. Ou seja, o país possui especificidades locais, a
característica de uma cultura hibrida (CANCLINI, 1998) e para
compreender nossas especificidades, certamente o olhar do pesquisador
precisa da ancoragem do que temos e do que não temos e de como o que
é de fora, o moderno, tem chegado aqui, mais como modernidade
postiça, portanto inconclusa.
Isso
não quer dizer que não haja no Brasil alterações nos
relacionamentos e a existências de relacionamentos puros, porém, os
mesmos não podem ser idealizados, como se houvesse uma uniformidade
(tampouco Giddens assim o coloca), mas como um ideal a ser buscado
nas relações. Via de regra, relacionamentos assim ou semelhantes
ocorrem em determinadas classes sociais e por casais que possuem um
nível educacional que permita a compreensão e superação de
modalidades de comportamento patriarcais, de subjugação e violência
contra a mulher, a qual se sabe, ainda persiste no país. Não é à
toa que foi preciso uma lei denominada Maria da Penha para garantir a
defesa das mulheres da violência física a que foram expostas. E
ainda o são, pois a lei, embora um ganho, não é suficiente para
dar fim à desprezível prática.
Esse
tipo de relacionamento, observado por Giddens, pressupõe, como
mencionado, desde o início, a possibilidade de seu fim. Do término
da relação quando dela não mais um dos parceiros, ou ambos, não
estiverem satisfeitos. É difícil pensar que alguém entra em uma
relação, seja por meio de um contrato civil ou do casamento formal,
pensando que ela vai acabar um dia. O habitual é que seja para
sempre; a não ser no fragmento do poema de Vinicius de Moraes “que
seja eterno enquanto dure”. Frase usada mais com certo deboche,
pois para Vinicius assim foi, passou por 9 casamentos. O próprio
Giddens passou por um doloroso processo de separação, como a
maioria o é, e por cinco anos de psicoterapia. Fatos da vida que
permitiram que um teórico do social da sua envergadura escrevesse um
livro sensível como A
transformação da intimidade.
As
separações não ocorrem somente nesta tipologia de relacionamento,
muito mais
nos demais,
naqueles que apostaram no relacionamento romântico e entraram em um
casamento para a vida inteira. Para se chegar a esta decisão,
geralmente, leva-se muito tempo. O aspecto-econômico-financeiro é
levado em conta, o emocional também, tanto da dor da separação,
como naqueles casos em que há dependência emocional, assim como o
destino dos filhos do casal, quando há filhos menores de idade.
Mesmo assim a taxa de divórcios só tem crescido no Brasil. Segundo
dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última década, o
número de divórcios cresceu mais de 160%, passando do ano de 2014
de 130,5 mil divorciados para 341,1 mil divorciados, sendo que a
idade média das mulheres é de 40 anos e dos homens 44 anos.
Observa-se que, nesta idade, há a possibilidade de os filhos já
estarem crescidos ou já terem passado pela adolescência.
Em
outra obra, Giddens (2002: p. 72) trata da “modernidade e
identidade” e demonstra que o sujeito na atualidade é colocado
diante de variadas escolhas, tanto as profissionais como a de
mudanças profissionais, forçadas pelas condições econômicas do
momento. Entre estas escolhas, encontra-se a de se casar ou não, de
ter filhos ou não, a de se separar ou não, as quais não são
feitas sem sentimentos como o de insegurança e profunda ansiedade.
Não é à toa que a depressão e a ansiedade têm sido consideradas
o “mal do século”. Diante das possibilidades que o mundo moderno
oferece a de “tomar conta de nossas próprias vidas” é fator,
portanto, que envolve riscos, pois significa enfrentar diversidade de
possibilidades abertas. O indivíduo deve contemplar novos campos de
ação que não podem ser guiados simplesmente por hábitos
estabelecidos (GIDDENS, 2002 p.72).
Estes
riscos constantes, bem como inseguranças e ansiedades geradas, são
bem visíveis no mundo do trabalho ou nas escolhas profissionais e
como na vida íntima, tanto no que se refere ao casamento e às
separações, essas últimas, sobre as quais nos referimos
anteriormente, pode-se verificar a taxa ascendente no Brasil. A
separação, para qualquer um dos cônjuges, deve ser,
necessariamente, enfrentada, do ponto de vista psicológico, com a
passagem pelo “luto”. O luto não ocorre somente quando morre
alguém das relações próximas, mas pelas perdas que se sofre ao
longo a vida. Giddens (2002) menciona que, após o desmoronamento do
mundo estabelecido por um casamento, vem o doloroso processo de
descolamento do cônjuge, o que inclui a nova relação estabelecida
com os filhos e as amarguras que precisam ser superadas . O referido
processo é físico também, o descolamento da casa e de um cotidiano
estabelecido: quem sai, perde o ponto de referência, parte do zero,
para reconstruir uma vida; quem fica, fica com o espaço físico
conhecido, mas também fica com as más e boas lembranças. Há,
portanto, toda uma árdua tarefa de construção de um novo “sentido
do eu”. Após isso, é possível se dar outras chances de novos
relacionamentos.
Ou
seja, primeiro é necessário passar pela reflexão e alternação
que permita, de fato, dar-se uma nova chance, baseada em novos
valores, mais igualitários e democráticos, a fim de que não sejam
repetidos os mesmos erros cometidos no primeiro relacionamento. No
entanto, não é isso o comum. O que se tem verificado é a repetição
de relacionamentos muito semelhantes aos anteriores, sem a
necessária passagem pelo período de luto, o qual é imprescindível
quando findam laços que não foram feitos para serem desatados (ou
tinham essa possibilidade implícita), porém, por vezes ocorrem e,
nos últimos anos, com muito mais frequência.
Quanto
aos jovens contemporâneos, o processo de iniciação na vida intima
e nos relacionamentos tem se dado por meio de experimentações como
a de “ficar”. Essas experimentações ocorrem por volta dos 12,
13 anos e geralmente se dão em festas, em cinemas ou em momentos de
encontro entre jovens. O ficar nessa idade pressupõe o beijar e o
abraçar, o ficar junto. Pode ocorrer apenas uma vez ou mais que uma
vez com a mesma pessoa. O que nunca tenha ficado com alguém ainda,
de ambos os sexos, se autodenomina com a sigla BV (Boca Virgem). O
ficar é visto como ato de liberdade e experimentação até que se
venha encontrar alguém para o namoro, o qual na atualidade deve
ocorrer, segundo a norma, quando se é “pedido em namoro”, caso
contrário é “ficante”. De uma experimentação o “ficar”
entre os jovens se tornou uma competição de com quantos meninos ou
meninas se ficou naquela noite, quanto mais meninas “pegou” maior
o status do menino sedutor que contabiliza isso e, tanto meninas,
como meninos, contam uns para os outros com quantos “ficou”. E se
tanto um ou outro ficou com a pessoa considerada mais bonita ou
desejada, mais pontos acumula junto ao grupo de referência ao qual
pertence. Ou seja, o ato de “ficar” da experimentação passou
para a quantificação, deixando seu significado primeiro em segundo
plano.
Aos
15 anos, aproximadamente - não é regra, pode ser antes - como temos
observado em determinados locais ou classe social ou depois dessa
idade, o “ficar” já não mais pressupõe beijos e abraços, mas
a relação sexual. Pode não ocorrer da primeira vez que se fica,
mas uma vez ocorrida a primeira relação sexual, se há continuidade
nos encontros, ele vem associado ao relacionamento sexual. Nesta
fase, começam as preocupações dos pais com as doenças sexualmente
transmissíveis e com a gravidez precoce. E dos próprios jovens
quando são devidamente preparados para isso com antecedência e a
continuidade desse acompanhamento com idas periódicas ao
ginecologista, uso de preservativos, durante essa sensível faixa
etária de suas vidas, a adolescência. Esse tipo de relacionamento
pode perdurar meses sem que o casal esteja, de fato, namorando. E
pode somente assim ficar até que venha a se findar.
No
entanto, o que era uma forma de iniciação dos jovens ao mundo dos
relacionamentos e preparo para dos mesmos para a vida adulta
tornou-se regra - os ficantes hoje possuem 30, 40, 50, 60 anos.
Existindo aqueles que vivem desses relacionamentos sem o
estabelecimento de um relacionamento mais íntimo, que envolva maior
compromisso. Isso quando há os que optam por ficarem, pois tenho
observado, principalmente, homens, jovens ainda, na faixa etária de
30 anos, os quais já passaram por uma desilusão amorosa, um
fracasso na relação, desistirem de estabelecer um novo
relacionamento. Vão da casa ao trabalho, moram com os pais,
divertem-se com os amigos. Ouvi de um deles, “que não vale a pena,
é muita cobrança”. O mesmo ocorre com algumas mulheres, que já
não vislumbram a possibilidade de um relacionamento puro nos termos
colocados por Giddens ou na vivência do “amor pelo amor” como
ouvi de uma mulher, viúva, na faixa dos 50 anos, a qual teve um bom
relacionamento com o seu cônjuge.
Observa-se
que “paira no ar” uma espécie de desilusão com os
relacionamentos por parte de segmentos de homens e mulheres e somente
pesquisas de campo levando em consideração a classe social, o
gênero, e as especificidades regionais e locais, poderão esclarecer
parcialmente algumas indagações. Quanto aos jovens penso na
possibilidade, entre outros fatores, da dificuldade de lidarem com as
frustrações de todo o tipo, seja no trabalho, seja nos
relacionamentos amorosos, desistindo com facilidade. Provavelmente
não foram preparados para isso; sabe-se que parte dessa geração
foi prontamente atendida por seus pais, que procuraram evitar que
precocemente (na perspectiva dos pais) seus filhos viessem a
enfrentar a dor das frustrações, a qual cedo ou tarde chega na vida
de qualquer pessoa. E chega para ficar, ou seja, ocorre
sucessivamente. O resultado pode ser a “evitação”. E qualquer
tipo de “evitação” seja por medo do sofrimento ou outro motivo
não é desejável saudáve para os enfrentamentos que a vida requer.
O que pode ser entendido como liberdade de escolha nada mais é do
que manifestação do medo ou fuga de sentimentos que poderão advir
das decisões tomadas.
Outro
fator que pode ser percebido nos relacionamentos é um número
significativo de pessoas buscando relacionamentos pela Internet. Há
um número variado de sites com esse objetivo, com pessoas que
encontram ali, o que buscam e, outras, que passam por horas perdidas
na frente do computador, sem contar os encontros mal sucedidos. Pela
Internet, os homens tem buscado também pornografia e sexo virtual;
pagam e obtêm o prazer na hora que querem acionados pelas fantasias
que formulam para esse momento. O fato de se usar esta estratégia
tão ao alcance das mãos se torna um hábito, fazendo com que as
relações sexuais pelas vias “normais”, portanto, com uma pessoa
real, comece a ser considerado investimento inviável. Lançar mão
dessa estratégia não é especificidade somente dos heterossexuais.
As
possibilidades de a tecnologia ir mais longe alterando
relacionamentos não estão longe da ficção. O filme “She” de
Spize Jonze, de 2014, explora esse universo. O protagonista da trama,
Theodore (Joaquin Phoenix), escritor solitário, solteiro, adquire um
sistema operacional acoplado ao seu computador. A voz do sistema é a
sensual voz da atriz Scarlett Johansson que não aparece no filme,
somente sua voz. Essa voz fala com ele, estabelecem diálogos, e ele
acaba se apaixonado por ela. Inicia-se uma relação amorosa entre os
dois que vai desde um bom dia, até uma boa noite. Ou seja, “a voz”
está com ele no seu cotidiano. No ano de 2015 foi criado nos Estados
Unidos um site de relacionamentos com mulheres comuns e não
destinado exclusivamente ao sexo virtual, mas para conversar com os
homens que chegam, por exemplo, cansados do trabalho e querem que
alguém os ouça. Isso, lógico, é feito mediante pagamento. Esse
diálogo (o qual, se o cliente desejar, ocasionalmente termina em
sexual virtual) pode ser com a mesma pessoa todos os dias ou quando
dela necessitar. Nominar essa prática de relacionamento é um
equivoco, pois é na verdade um não relacionamento.
Bauman
(2004) é um crítico das relações que se estabeleceram na
modernidade com o advento da tecnologia, desse homem sem vínculos
que precisa se conectar. Demonstra que os relacionamentos humanos são
facilmente descartáveis, estão ao alcance de uma tecla do computado
ao “deletar” algo ou alguém. Na atualidade se aplica ao facebook
e a outros aplicativos. Bauman (2004) acentua, ainda, que o
compromisso para a maioria das pessoas tem sido considerado uma
armadilha a qual se deve evitar. No caso dos “relacionamentos
virtuais” é fácil entrar e sair deles ao contrário dos
relacionamentos reais. Observo aqui que mulheres quando querem sair
de um relacionamento costumam verbalizar, fazem a comunicação por
mais que isso lhe seja constrangedor, porém os homens possuem mais
dificuldade para isso, vão mudando o comportamento aos poucos, ficam
mais silenciosos, enviam mensagens não verbais até que a mulher
compreenda o que ocorre. Nos virtuais nada disso é necessário.
Bauman (2004) associa, ainda, as novas relações à cultura
consumista que vigora na modernidade: encontra-se o produto pronto
para consumo e uso imediato, bem como para satisfação imediata, o
prazer passageiro sem grandes esforços. As pessoas no mundo moderno
esquivam-se do amor. Diante de tantas possibilidades, estarem
comprometidas é fechar a porta a outras oportunidades. Se a solidão
produz insegurança, o relacionamento para os sujeitos sociais também
é inseguro, pode findar, pode trazer a dor da separação, do
abandono, então melhor nem começar. É nesse ponto que as pessoas
optam por “relações de bolso”, ou seja, de curta duração e na
qual um dos envolvidos estaria no controle do seu começo e do seu
fim.
Sua
crítica maior se volta para o fato de se tratar o outro ser humano
como objeto de consumo (BAUMAN, 2004, p. 96) e nisso ele tem toda a
razão, entramos na era do consumismo sem precedentes. O consumo,
lógico, sempre existiu e faz parte das relações comerciais, no
entanto, quando o ser humano entra nessa lógica, alteram-se as
sociabilidades. Se os seres humanos tornam-se objetos de consumo a
esse nível são também julgados pelo volume de prazer que
proporcionam em detrimento da solidariedade humana e à capacidade de
amar simplesmente por amar. O sexo não virtual entra também nessa
competição do como fazer, do que fazer, ficando em segundo plano a
construção do relacionamento, dos gestos carinhosos, do diálogo,
do conhecimento do corpo de ambos e da boa relação a se extrair, ou
seja, joga-se mais com a “performance”, do que com os outros
atributos. Tudo parece que já deve vir pronto. Pode ser custoso
demais construir um relacionamento sexual saudável que seja
gratificante para ambos. Afinal, não se pode perder tempo!
Bauman,
porém, entende o relacionamento puro discutido por Giddens como um
relacionamento frágil, pois nele há a possibilidade de se já
entrar nele pressupondo que pode se findar, transformando-se em
parcerias frouxas, revogáveis, substitutivas do modelo “até que a
morte nos separe”. Ou seja, seria um relacionamento “em que
dificilmente a confiança pudesse fincar raízes e florescer (BAUMAN,
p. 112)”. Giddens apenas aposta naquilo que é fato, ou seja, os
relacionamentos podem acabar; melhor entrar nele já com essa
possibilidade no acordo implícito, como dado de realidade, porém
não necessariamente ele chegará ao seu fim, uma vez que nele está
incluso outros acordos democráticos. O sonho romântico de um “será
para sempre”, é muito mais um elemento da fé do que dado de
realidade. Embora Bauman tenha razão em muitas de suas análises
sobre as fragilidades dos laços humanos na contemporaneidade, vejo
também nele certo saudosismo de um passado mais idealizado que real.
O mundo do passado, de opressão sobre a mulher, dos muitos
cerceamentos a ela, dos casamentos opressores - do qual não se podia
sair e se saísse era mal vista (hoje, infelizmente, ainda há
resquícios disto) - direito ao voto e ao exercício da cidadania do
qual a mulher estava excluída, também não era um mundo ideal.
Parece-me muito mais um mundo idealizado por Bauman do que um passado
que fosse melhor de fato. Conquistas foram realizadas nesse campo e o
uso que o homem está fazendo da tecnologia está, de fato, alterando
as relações, tanto as que se referem à sexualidade, à amizade,
como as de trabalho e, cabem aos cientistas sociais analisar esses
fenômenos com todas as ferramentas que possuem e pelos mais diversos
ângulos.
Nos
anos 70, opondo-se ao relacionamento a dois, considerado controlador,
exclusivista, regrado e sustentado por um sentido de completude,
surgiu uma nova modalidade de relacionamento, não monogâmico,
denominado poliamor, que vem da junção da palavra poli significando
vários com a palavra amor. Os adeptos dessa modalidade de
relacionamento se autodenominam poliamoristas. Embora se comece a
ouvir essa expressão nos últimos anos pelos meios de comunicação,
o poliamor tem já, aproximadamente 15 anos de existência, com sua
origem na Califórnia, nos Estados Unidos da América (EUA), em um
evento visando discuti-lo e, doravante, grupos criados por meio da
Internet. No poliamor
é possível se estabelecer relacionamento de fato a três (portanto
não esporádico) podendo ser duas mulheres e um homem ou um homem e
duas mulheres. Essa modalidade não é fixa, pode ocorrer de um
membro ser poliamorista e o outro não, assim como nesse modelo pode
ocorrer o envolvimento de mais de três pessoas. São modelos que no
Brasil pressupõem mais a igualdade e liberdade (PILÃO, 2015), e o
combate ao machismo, portanto possuí uma perspectiva bastante
visível de discussão de gênero. Segundo Pilão (2015), a igualdade
se fundamentaria no fato de que os envolvidos pudessem ter mais do
que um relacionamento simultâneo. Definem-se como seres completos
(prescindem da outra metade), ressaltam as diferenças e a
preservação das individualidades. O morar junto nessa modalidade
não é visto como algo salutar, pois provoca o cerceamento da
autonomia. Pilão (2015) demonstra, ainda, que o poliamor difere do
casamento aberto em voga nos anos 70, pois a ênfase está no amor e
não na liberdade sexual. Por fim, o autor assinala que para os
poliamoristas “os termos hierarquia, autoridade, poder e controle
são vistos como próprios da sociedade atual, capitalista, cristã,
monogâmica, O poliamor é associado a outro tipo de sociabilidade,
não competitivo, tolerante, cooperativo e não hierárquico (PILÃO,
2015)”.
Na
contemporaneidade os casais monogâmicos tem também passado por
mudanças estabelecendo outros acordos nas relações, como casais
que tem optado pela não co-habitação. Geralmente são casais que
já tem seus filhos crescidos, ambos possuem independência
financeira e em alguns casos já estão no segundo ou terceiro
relacionamento. Esse arranjo mantem a individualidade de cada um e
revela uma maturidade do casal ao se fazer esta opção, pois quando
desejam ficar juntos, não há nada que os impeça, podem ficar tanto
na casa de um como na do outro. Observo essa opção ainda restrita
aos grandes centros e, parece ser algo, também numericamente
restrito, pois decidir pela não co-habitação há variáveis em
jogo, além da econômica já mencionada, existem os acordos a serem
estabelecidos entre o casal a fim de preservar a confiança e a
lealdade, caso esse seja o fundamento do acordo.
Outras
mudanças ocorreram na vida dos casais, as quais são conquistas
recentes no que se refere a como levarem a sua vida, embora
questionadas pelos mais tradicionalistas. Refiro-me aos casais que
optam por não ter filhos, mesmo assim, constituem uma família,
formado por um homem e uma mulher. Para aqueles que não desejam ter
filhos, isso lhes foi facultado pelo desenvolvimento da sociedade
contemporânea, pela liberdade de escolha colocada mais facilmente à
disposição do casal e pelos meios contraceptivos. Sem esquecer que
tal fato não ocorre naturalmente, mas a partir das discussões
colocadas em pauta pelas diferentes vertentes (surgidos na década de
50 primeiramente nos EUA) dos movimentos feministas ao longo dos
anos.
As
alterações no mundo contemporâneo com a globalização e a
celeridade do mundo moderno passa a impressão aos mais velhos que
estão diante de um mundo a desmoronar (GIDDENS, 1991). E de certa
forma possuem razão. A comunicação chega rapidamente e tanto eles
que viveram em sociedades com algum tradicionalismo, como os jovens
de hoje diante das mudanças que ocorrem sentem-se inseguros e
ansiosos quanto ao futuro. Estes jovens já não vivem como os seus
pais nas suas sociedades tradicionais, comunitárias,
pré-determinadas, quando já se nascia com um futuro mais ou menos
delineado. Vive-se hoje uma “crise de identidades”(DUBAR, 2006)
no que tange à sexualidade e a vida profissional dos sujeitos
sociais, justamente campos definitivos para o bem estar do ser
humano. Como não poderia ser diferente, isso tem afetado a vida
íntima dos sujeitos sociais; retardando, por exemplo, a saída dos
jovens da casa dos pais, afetando decisões como a de constituir
família e a de ter filhos. A decisão de se casar, formar família,
gerar filhos não tem sido feita ou feita com muito mais cautela.
Nestes casos há casais que não tem filhos por uma questão
econômica ou apenas um filho, algo que se tem tornado comum e que
era muito raro há poucas décadas.
No
que diz respeito ao mundo rural, outra alteração tem ocorrido no
que se refere à formação de famílias. Pierre Bourdieu (2002)
analisa processo que se deu na França dos anos 50 com a chegada da
modernização no campo, quando as mulheres seguiram para trabalhar
na cidade, e os rapazes em idade de se casar não encontravam
mulheres nas suas comunidades rurais, para contrair matrimônio e dar
sequência à pequena agricultura. No Brasil - onde a modernidade
ocorre tardiamente e tem suas especificidades - esse processo vem
acontecendo e tem sido denominado pelos pesquisadores (ABRAMOVAY, et
al. 1998) como masculinização no campo. Algumas medidas têm sido
tomadas por Organizações Não-Governamentais visando à permanência
dos jovens no campo ou parte deles por meio de políticas publicas e
ações culturais (LOPES; 2010).
Com
o advento da modernidade, além de novas tipologias de
relacionamentos, novas modalidades de famílias, com novos contornos,
vêm sendo delineados, estando portanto, ainda em constituição. Um
exemplo é a adoção por parte de mulheres e homens solteiros,
constituindo unidades familiares, bem como adoção de crianças por
parte de casais homossexuais.
Esta
última possibilidade que menciono vem sendo conquistada no mundo
contemporâneo e reconhecida no Brasil pela legislação - por meio
das reivindicações, principalmente do movimento de Lésbicas, Gays,
Bissexuais e Transgêneros (LGBT) -
pari passu
às uniões homoafetivas. Este foi um processo de uma longa
trajetória, pois inserida em uma sociedade conservadora e que
permanece conservadora especialmente neste quesito, com casos de
agressões físicas aos homossexuais e aos casais homoafetivos quando
são vistos na rua juntos, ou até mesmo quando um homossexual se
encontra sozinho, entre outras formas de violência simbólica. No
entanto esse movimento que vem de longa data, não só no país,
ganhou espaço, adesões, conquistou adeptos no Congresso Nacional e
defensores de suas causas ocuparam cadeiras na Câmara dos Deputados.
Como
assinalado, o processo foi longo, as uniões homoafetivas chegaram a
ser reconhecidas pelo código civil tão somente como uma sociedade
para casos de separação. No entanto, no dia 05 de maio de 2011
ocorreu um marco nessa luta, pois o Supremo Tribunal Federal, por 10
votos a 0 reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, nos
mesmo moldes para os demais casais, e incorporou novos direitos
civis. A união estável para casais homoafetivos passa a constar na
Constituição Federal no seu art. 226, parágrafo terceiro e no
Código Civil, art. 1723.
Estes
direitos são: requerer pensão em caso de separação judicial;
maior respaldo jurídico para pensão por morte pelo INSS ao
companheiro; maior celeridade caso haja negação de inclusão do
companheiro nos planos de saúde; respaldo jurídico para a
declaração no imposto de renda do companheiro como dependente A lei
anterior permitia a adoção por parte de casais homossexuais, mas
dava preferência às famílias formadas por um homem e uma mulher,
porém com a nova lei, a adoção foi facilitada.
Somente
dois anos depois é que mais um passo foi dado no que se refere à
legislação das uniões homoafetivas, pois havia um número
significativo de cartórios que se recusavam a realiza-las. No dia 14
de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de
controle externo das atividades do Poder Judiciário, obrigou todos
os cartórios a cumprir a decisão do STF de 2011, a realiza-las,
ampliando-a, passando a obrigar a conversão da união em casamento e
também a realização direta de casamento civil entre pessoas do
mesmo sexo.
No
caso das separações mencionadas anteriormente e que agora vale
tanto para casais heterossexuais como homoafetivos, é algo que vem
ocorrendo sensivelmente no país, no caso específico dos casais
heterossexuais, talvez porque foi facilitada pela legislação com a
publicação da Lei 11.441, de 04 de janeiro de 2007, a qual permitiu
a realização do divórcio no cartório, portanto sem burocracia e
agilidade e custos acessíveis, desde que os mesmos não tenham
filhos menores de idade. Basta a presença de um advogado e, se
houver bens e consenso entre o casal, a partilha é feita também no
cartório por meio de escritura pública.
Diante
das notas expostas neste artigo (as quais não dão conta de
mencionar todas as modalidades de relacionamentos em vigência)
percebe-se um vasto e complexo campo para a pesquisa empírica sobre
os relacionamentos contemporâneos no Brasil, às relações
familiares e intrafamiliares dele decorrentes, levando em
consideração as diferenças regionais, se este ocorre nas
metrópoles ou nas médias ou pequenas cidades desse nosso imenso e
culturalmente diverso país que se insere de uma maneira específica
no mundo globalizado.
Pesquisas
dessa natureza, sobretudo se recorrer aos recursos da
interdisciplinaridade, metodologias da microssociologia e da
etnografia, lançando um olhar atento para o que há de novo, como
também para aquilo que permanece no cenário brasileiro, certamente
contribuirão para desvendar o que ocorre neste aspecto, o que é
genuíno, o que é imitação, postiço, hibrido, levando em
consideração a maneira como a modernização chega ao Brasil, a
qual se sabe que chega, mas enviesada.
Houve
conquistas no campo democrático e dos direitos humanos, nos
relacionamentos em amplos sentidos, mas é preciso reconhecer que há
também, pelo que se tem observado nos últimos tempos - como
manifestação de preconceitos e violência contra casais de
homossexuais, preconceitos contra os negros e a mulher - a
permanência de mentalidades profundamente conservadoras.
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Cad.Pagu, n. 44 Campinas jan/jun. 2015.
Prof. Dr. Eliane Cardoso Lopes
A autora e Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-doutora pela Universidade de Coimbra, pesquisadora pela Fundação Araucária de Apoio à Pesquisa no Paraná.
A autora e Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-doutora pela Universidade de Coimbra, pesquisadora pela Fundação Araucária de Apoio à Pesquisa no Paraná.
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